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LACUNA

O cheiro do cigarro está no ar. Reparo a comoção da mamãe causando em mim uma estranheza que não sei revelar. Papai viajou, seu sócio vem nos visitar, quando na calçada joga uma bituca, pisa nela com o calcanhar e entra segurando um medalhão prateado suspenso no pescoço. Com o rosto avermelhado, o branco dos olhos aguçados debaixo das grandes sobrancelhas e um forte odor vindo do corpo, manda eu ficar no quarto. Me recolho na cama com medo, acreditando ser ele um bruxo. À noite, as árvores sacodem, algumas vezes o movimento é tranquilo; noutras, é rápido e até mesmo violento, ocasiões que os galhos balançam ferozmente em um ritmo intenso que ensurdece, batendo obstinadamente na janela do quarto, causando uma dor que atravessa meu corpo. Nos sonhos fujo para longe, mas as pernas ficam pesadas e, mesmo com lentidão, esforço para seguir avançando. Em uma dessas noites acordo do pesadelo, corro em direção ao quarto da mamãe e o que vejo jamais esquecerei, a cortina de renda rasgada com roupas e objetos caídos no chão é o sinal do que lá se passou.

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